Pois é, o Natal está aí e com ele a promessa de preocupação para com os mais desfavorecidos. É tempo de nos lembrarmos de quem tem menos. E nesse sentido, olhem que bela recordação:
Nem de propósito – um título da infame OPERAÇÃO CORAÇÃO: que acção pode ser mais solidária que esta?
Este tema é um bocado tabu nos dias que correm, ou não estivéssemos todos a viver um momento de Operação Coração forçada em nome de Portugal. Recuemos então no tempo.
Passado pouco tempo, Vale e Azevedo assumiria os destinos da nau encarnada. E então assistiu-se ao terceiro capítulo desta saga, com um pedido para doarem dinheiro ao Benfica. Porquê? Porque sim. Vale e Azevedo era um tipo pragmático. Não é preciso uma razão. Os motivos não interessam. Se quiserem mesmo saber, era tudo que estava contra o Benfica: a FPF, o Governo, os grandes interesses estrangeiros, a ONU, os números do Totoloto, até a UNICEF, se for preciso. O que quiserem. Abriu uma conta, deu o NIB e disse “agora despejem para aqui, sff”. Não há cá operações, nem partes corporais, nem títulos, nem nada: apenas um bolso aberto e uma conta pronta a receber. Podem conferir aqui este apelo.
Cá está a prova, a cores e tudo. |
Este tema é um bocado tabu nos dias que correm, ou não estivéssemos todos a viver um momento de Operação Coração forçada em nome de Portugal. Recuemos então no tempo.
Estávamos em Dezembro de 1994. O auto-denominado Glorioso passava por momentos conturbados. Margarida Prieto, a mulher do leme, e o seu primeiro-valete (por oposição a dama), Manuel Damásio, chegaram havia pouco tempo. Logo descobriram um buraco mesmo ali à sua frente. Não, não se tratava das obras do Colombo nem sequer do espaço que Tavares usualmente deixava livre no meio-campo. Era sim um buraco financeiro – um buraquinho de alguns milhões de contos, coisa pouca. Vai daí, Damásio, arguto, engendra as seguintes soluções:
- Aliena o maestro Rui Costa para Itália, consumindo uma soma indeterminada de lenços de papel no processo, devido às lágrimas e ranho vertidos, mas gerando um movimento neo-sebastiânico em torno da imagem do menino da Damaia que, à falta de melhor, sempre preencheu os facilmente impressionáveis corações benfiquistas durante os anos vindouros;
- Adquire Rei Artur para o banco, o grande bigode do futebol português, sobejamente laureado, mestre da táctica lírica e autor de frases como “todo o jogador é toxicodependente disto ou daquilo”, referindo-se a Caniggia, ou “o Benfica é um circo”, referindo-se a uma metáfora empregue numa obra de Vergílio Ferreira (não era nada, estou a brincar; referia-se mesmo ao Benfica);
- Dota Rei Artur de uma plêiade invejável de jogadores, como Preud’Homme. E… hã… já disse o Preud’Homme?;
- …E Nelo, Tavares, Clóvis, Stanic (antes de aprender a jogar à bola), Rui Esteves (o mago louro que fez 126 deliciosos minutos com a camisola rubra), Paulão (o defesa, que o avançado viria depois), Amaral (o que era do Sporting e não o coveiro) e não um, mas DOIS NOVOS EUSÉBIOS!: Akwá, com o menino Edgar já à espreita – fartura, meus caros, chama-se a isto fartura;
- Fecha contrato com a Parmalat, numa mega-parceria de contornos bíblicos, prometendo que o dilúvio de dinheiro seria tão grande que até Noé se borraria de medo perante aquela perspectiva de dólares e liras e escudos a jorrar ininterruptamente das tetas da multinacional dos lacticínios;
- Isto já devia ser suficiente, mas o melhor era rezar um bocadinho para que tudo corresse bem e por isso constrói a Capela da Luz, autêntica pièce de résistance, promovendo Preud’Homme a Saint Michel.
E estava aqui a fórmula do sucesso.
Chegados a Dezembro, porém, o dinheiro para as prendas escasseava e Margarida Prieto continuava a gastar o ordenado que seria para pagar o salário de Pedro Henriques, Abel Xavier, Kenedy e as importações colombianas do Caniggia em cabeleireiros, manicuras, ortodoncias, catálogos Avon, implantes de botox e arte sacra para decorar a Capela da Luz. Damásio pensou numa solução e contou-a a Margarida, mas levou uma chapada e calou-se. Depois levou-a a passear e a jantar fora e, enquanto lhe oferecia um anel de diamantes, voltou a contar-lhe a sua ideia: pedir, como um mendigo com dignidade fugidia, dinheiro aos sócios e simpatizantes, certificando quem contribuísse com um título que, sim senhor, atestava que o indivíduo em causa era benfiquista e muito facilmente burlável.
Ora bem, ora bem: aqui as versões dividem-se e a polémica acentua-se; há quem ache que a interpretação transcrita acima não foi bem aquilo que Damásio sugeriu, que essa é uma interpretação injusta, usada por detractores e por gente sem sentimentos; que aquilo era um grito de alerta, um toque para reunir, um simples e legítimo apelo à congregação de esforços para a salvação de um bem comum e que quem contribuísse veria reforçado o estatuto de “bom chefe de família” – uma espécie de “meu Deus!; nós temos o Nelo e o Tavares, caramba!, isso não chega para nos ajudarem? O que querem mais? Que vamos buscar o Hassan e o Paredão?” (e por acaso até iriam, na temporada seguinte. E o King.)
Margarida estava tão deslumbrada com o brilho do seu anel que achou fantástico, a iniciativa era genuinamente cristã, ou seja, era uma instituição das maiores do mundo a usar o seu enorme poder para sacar uns cobres aos pobres acólitos. Parecia-lhe muito bem, os católicos sobreviveram durante séculos com estes expedientes e a IURD prosperava com coisas parecidas e nem sequer dava um título em troca. Nosso Senhor estaria certamente orgulhoso. Ah, e enquanto o Diabo esfregasse o olho, se calhar ainda daria para ir buscar o Marcelo ao Tirsense (e deu. Toma, toma.)
Ainda hoje, ninguém sabe ao certo como deve ser encarada, em termos filosóficos, a Operação Coração: se um embuste perpetrado por uma direcção incompetente ou se um sincero estender de mão de inspiração religiosa. O certo é que o tema foi morrendo, por vergonha ou por esquecimento, e hoje quase ninguém, especialmente os benfiquistas, se recorda da Operação Coração, de ter comprado um título, de ter ouvido falar, de ter alguém conhecido que tivesse comprado, de ter um tipo muito maluco que era primo do Barbas que tivesse estado perto de largar a nota, o Jorge Máximo encolhe os ombros, hã?, o que é que foi?, o que é que é isso? Nah, isso são cenas do Pinto da Costa, são os lagartos que estão a inventar, etc. e tal. Mas as coisas não ficariam por aqui.
Pelos vistos, a Operação Coração não cativou por aí além face às expectativas iniciais – segundo “A Bola”, sempre tão insuspeita nestas coisas, apenas se angariou 180.000 contos. Era claro que o espírito natalício passava por uma fase de amargura. Se não era possível convencê-los pela emoção, então convençamo-los pela razão: a parte II deste peditório alargado designou-se OPERAÇÃO CABEÇA. Manteve-se o teor cirúrgico da operação (ainda não estava na moda o transplante da medula), mas desta vez o mote era mais “estamos mesmo com falta de cacau, pensem nesses 5 contos tão bem gastos no Benfica”. Mas ainda resultou pior e chegar à cabeça dos benfiquistas provou-se ainda mais difícil do que chegar ao coração. Da Operação Cabeça sobrou quase nada até hoje, nenhumas imagens, nenhum rumor, pelo que se presume que o falhanço foi rotundo. Ainda se pensou em fazer a Operação Joelho, algo que ficaria reservado mais tarde para o Mantorras, mas até Damásio, que declarara o rendimento mínimo às finanças, teve vergonha para tal. E Margarida, saída do solário, apenas desejava que “fosse o que Deus quisesse, só quero é não partir as unhas”.
Passado pouco tempo, Vale e Azevedo assumiria os destinos da nau encarnada. E então assistiu-se ao terceiro capítulo desta saga, com um pedido para doarem dinheiro ao Benfica. Porquê? Porque sim. Vale e Azevedo era um tipo pragmático. Não é preciso uma razão. Os motivos não interessam. Se quiserem mesmo saber, era tudo que estava contra o Benfica: a FPF, o Governo, os grandes interesses estrangeiros, a ONU, os números do Totoloto, até a UNICEF, se for preciso. O que quiserem. Abriu uma conta, deu o NIB e disse “agora despejem para aqui, sff”. Não há cá operações, nem partes corporais, nem títulos, nem nada: apenas um bolso aberto e uma conta pronta a receber. Podem conferir aqui este apelo.
E assim se passava a época natalícia nesse loucos anos 90. Não havia a Popota, mas havia o Benfica pronto para acender as luzinhas da árvore, com acções de solidariedade ímpares, jamais repetidas desde então. É justo recordar estes momentos tão marcantes. Como diria Vítor Paneira, em Agosto de 1994: “Temos condições para fazer uma época terrível”. Um visionário, este Paneira.
5 comentários:
Um Santo Rudi para todos vós, e um grande Driss Novo para 2012.
Espero que o Driss faça a sua aparição anual e que traga à boleia o Rudi de Natal.
Um Curcic de Reis também não seria uma tradição mal pensada.
Já lá mora!
Próspero Driss é o que vos desejo!
Fosga-se, este é das postas de pescada mais bem arrotada de sempre!
Os meus parabéns pelo texto! Imortaliza na perfeição o acontecimento memorável que foi a Operação Coração do M.Damásio!
Enviar um comentário